Andando pelas ruas do centro histórico de São Paulo, comecei a observar todas as obras arquitetônicas de uma forma que nunca tinha olhado. Essa observação mais detalhada da cidade em que nasci me trouxe muitas reflexões.
O Centro é rico em projetos bem elaborados, que abrangem centros culturais, igrejas, museus e prédios que fazem da cidade um verdadeiro acervo cultural ao ar livre. E nessas minhas caminhadas, me atentei para o piso, que é um elemento que sempre aprecio por ser uma jovem apaixonada por revestimentos e seus contextos históricos. Trata-se de um piso de mosaico português. Ele foi aplicado em todo o calçadão em meados de 1970. Mas eles existem no Brasil desde o começo do século, quando as primeiras rochas de calcários e basalto foram trazidas de Lisboa.
LEIA MAIS: Casa Vogue: Pisos e revestimentos em maxi formatos : saiba como usar
O piso português é um produto artesanal personalizável. Com ele é possível elaborar diversos desenhos com formas orgânicas e geométricas nas mais variadas cores. Por ser mais rústico e por todo esse contexto histórico, ele proporciona ao local instalado um sentimento de memória afetiva.
Em meados de maio, a prefeitura de São Paulo revelou que irá efetuar a troca de todo o piso português por placas cimentícias, alegando dificuldade de manutenção e acessibilidade. O anúncio gerou polêmica, então decidi olhar de forma mais técnica para a situação do revestimento.
Em meados de maio, a prefeitura de São Paulo revelou que irá efetuar a troca de todo o piso português por placas cimentícias, alegando dificuldade de manutenção e acessibilidade. O anúncio gerou polêmica, então decidi olhar de forma mais técnica para a situação do revestimento.
Todos os pisos que estão instalados no Centro estão em uma situação deplorável – os ladrilhos, asfalto e placas cimentícias também carecem de cuidados. Então será que realmente o problema é o piso português? Ou o descaso das autoridades na falta de manutenção dos espaços públicos? Se fosse apenas o mosaico português, os outros estariam em uma boa situação de usabilidade.
LEIA MAIS: Casa Vogue – Como comprar pisos e revestimentos: 7 dicas que você precisa saber
“A pedra portuguesa é a cara do nosso centro. Seus desenhos dão graça e personalidade ao calçadão. Está claro que no país todo o lobby do cimento está vendendo a ideia de calçadas de concreto. A técnica é simples: não fazem manutenção e zeladoria das pedras portuguesas e aí dizem que ela é ultrapassada”, defende Carlos Beutel, comerciante do Renova Centro, movimento que há quatro anos reúne moradores, trabalhadores e empresários para discutir os problemas e melhorias a serem feitos na região.
O mosaico português tem características técnicas adequadas para lugares de grandes circulação. Como possui basalto e calcário em sua composição, tem alta durabilidade. E por ser rústico, torna-se um antiderrapante natural. Outro benefício das pedras portuguesas é que elas têm mais absorção de águas pluviais e retém menos calor.
Em conversa com Francisco Zorzette, diretor da Companhia de Restauro, empresa que realiza projetos de preservação de patrimônio cultural, percebi que a cidade de São Paulo enfrenta um problema muito grande com a permeabilidade urbana por ser muito asfaltada e cimentada. “Os mosaicos portugueses ajudam na drenagem da cidade, sendo considerado um piso permeável se instalado corretamente”, explica. As placas cimentícias tem menor capacidade de absorção de água pluvial.
Mas assim como a madeira, mármore e qualquer outro material que venha da natureza, as pedras portuguesas precisam ter uma manutenção periódica feita por profissionais. Alega-se que um dos motivos para a troca do piso é a falta de mão de obra especializada. Porém, esse não é um problema apenas dos mosaicos, mas de diversos revestimentos aqui no Brasil. Essa também é uma dos principais dificuldades encontradas por profissionais, como arquitetos, designers e engenheiros.
Consultei algumas empresas que produzem os materiais para saber os valores de produto com instalação. As pedras portuguesas custam em média R$ 120 (instalação com desenhos personalizados). Já as placas cimentícias saem por R$ 180 aproximadamente.
Os dois tipos tem particularidades no momento da manutenção. No piso português, se uma peça do mosaico quebra é preciso fazer uma reposição mais criteriosa com outra pedra de cor igual ou parecida, não sendo necessário a troca da peça inteira. A placa cimentícia, ao sofrer algum dano, mprecisa ser inteira trocada. Ambos, é claro, precisam de mão de obra especializada.
São Paulo teve um crescimento desordenado e não foi planejada para atender pessoas com necessidades especiais. E esse, na minha opinião, é o principal problema quando falamos de pisos sem manutenção, porque com buracos e desníveis as pessoas ficam sujeitas a acidentes.
O jovem Ricardo Almeida, assistente de T.I, usa cadeira de rodas e enfrenta barreiras diárias. “Não vejo dificuldades em andar sobre o piso português. Isso só se torna um problema quando elas estão desniveladas e com buracos”, opina. Com a manutenção adequada, o material pode manter um piso tátil para deficientes visuais.
Há mais de 40 anos o piso do centro foi instalado. Pela atual situação provavelmente não recebeu a preservação que devia. Imagine como a placa cimentícia, que é um material poroso, vão ficar se instaladas por mais de quatro décadas sem o cuidado adequado?
O problema não é o material instalado e sim a falta de manutenção e desleixo que as autoridades têm com a cidade mais rica e populosa do Brasil.
Todo município tem elementos que constroem sua identidade. E quando falamos no mosaico português, falamos de um simbólico da nossa herança portuguesa, da nossa cultura e da nossa história. Porque valorizamos tanto a arquitetura e símbolos culturais de outras cidades e países e esquecemos do nosso?
Termino com uma frase do engenheiro Marco Antonio Ramos de Almeida, que integra o livro “O Calçadão em Questão”, de Mônica Bueno Leme: “Recuperar esses espaços deve ser uma prioridade de qualquer administração que se pretenda competente e sensível às questões maiores de São Paulo.”