Pedra portuguesa: um símbolo em risco no centro de São Paulo

Andando pelas ruas do centro histórico de São Paulo, comecei a observar todas as obras arquitetônicas de uma forma que nunca tinha olhado. Essa observação mais detalhada da cidade em que nasci me trouxe muitas reflexões. O Centro é rico em projetos bem elaborados, que abrangem centros culturais, igrejas, museus e prédios que fazem da […]

Lilian Revestindo a Casa
Calendario 07 julho 2019 Lilian Revestindo a Casa
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Andando pelas ruas do centro histórico de São Paulo, comecei a observar todas as obras arquitetônicas de uma forma que nunca tinha olhado. Essa observação mais detalhada da cidade em que nasci me trouxe muitas reflexões.

Calçada Pedra Portuguesa no centro da cidade de São Paulo.
Pedra portuguesa no Centro de São Paulo

O Centro é rico em projetos bem elaborados, que abrangem centros culturais, igrejas, museus e prédios que fazem da cidade um verdadeiro acervo cultural ao ar livre. E nessas minhas caminhadas, me atentei para o piso, que é um elemento que sempre aprecio por ser uma jovem apaixonada por revestimentos e seus contextos históricos. Trata-se de um piso de mosaico português. Ele foi aplicado em todo o calçadão em meados de 1970. Mas eles existem no Brasil desde o começo do século, quando as primeiras rochas de calcários e basalto foram trazidas de Lisboa.

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O piso português é um produto artesanal personalizável. Com ele é possível elaborar diversos desenhos com formas orgânicas e geométricas nas mais variadas cores. Por ser mais rústico e por todo esse contexto histórico, ele proporciona ao local instalado um sentimento de memória afetiva.

Calçada pedra portuguesa, no centro de São Paulo.

Em meados de maio, a prefeitura de São Paulo revelou que irá efetuar a troca de todo o piso português por placas cimentícias, alegando dificuldade de manutenção e acessibilidade. O anúncio gerou polêmica, então decidi olhar de forma mais técnica para a situação do revestimento.

Placas cimentícias aplicadas no centro da cidade de São Paulo.
Placas cimentícias aplicadas no centro da cidade

Em meados de maio, a prefeitura de São Paulo revelou que irá efetuar a troca de todo o piso português por placas cimentícias, alegando dificuldade de manutenção e acessibilidade. O anúncio gerou polêmica, então decidi olhar de forma mais técnica para a situação do revestimento.

Todos os pisos que estão instalados no Centro estão em uma situação deplorável – os ladrilhos, asfalto e placas cimentícias também carecem de cuidados. Então será que realmente o problema é o piso português? Ou o descaso das autoridades na falta de manutenção dos espaços públicos? Se fosse apenas o mosaico português, os outros estariam em uma boa situação de usabilidade.

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“A pedra portuguesa é a cara do nosso centro. Seus desenhos dão graça e personalidade ao calçadão. Está claro que no país todo o lobby do cimento está vendendo a ideia de calçadas de concreto. A técnica é simples: não fazem manutenção e zeladoria das pedras portuguesas e aí dizem que ela é ultrapassada”, defende Carlos Beutel, comerciante do Renova Centro, movimento que há quatro anos reúne moradores, trabalhadores e empresários para discutir os problemas e melhorias a serem feitos na região.

O mosaico português tem características técnicas adequadas para lugares de grandes circulação. Como possui basalto e calcário em sua composição, tem alta durabilidade. E por ser rústico, torna-se um antiderrapante natural. Outro benefício das pedras portuguesas é que elas têm mais absorção de águas pluviais e retém menos calor.

Em conversa com Francisco Zorzette, diretor da Companhia de Restauro, empresa que realiza projetos de preservação de patrimônio cultural, percebi que a cidade de São Paulo enfrenta um problema muito grande com a permeabilidade urbana por ser muito asfaltada e cimentada. “Os mosaicos portugueses ajudam na drenagem da cidade, sendo considerado um piso permeável se instalado corretamente”, explica. As placas cimentícias tem menor capacidade de absorção de água pluvial.

Mas assim como a madeira, mármore e qualquer outro material que venha da natureza, as pedras portuguesas precisam ter uma manutenção periódica feita por profissionais. Alega-se que um dos motivos para a troca do piso é a falta de mão de obra especializada. Porém, esse não é um problema apenas dos mosaicos, mas de diversos revestimentos aqui no Brasil. Essa também é uma dos principais dificuldades encontradas por profissionais, como arquitetos, designers e engenheiros.

Consultei algumas empresas que produzem os materiais para saber os valores de produto com instalação. As pedras portuguesas custam em média R$ 120 (instalação com desenhos personalizados). Já as placas cimentícias saem por R$ 180 aproximadamente.

Calçada de pedras portuguesas em São Paulo.

(Pedra portuguesa: um símbolo em risco no centro de São Paulo)

Os dois tipos tem particularidades no momento da manutenção. No piso português, se uma peça do mosaico quebra é preciso fazer uma reposição mais criteriosa com outra pedra de cor igual ou parecida, não sendo necessário a troca da peça inteira. A placa cimentícia, ao sofrer algum dano, mprecisa ser inteira trocada. Ambos, é claro, precisam de mão de obra especializada.

São Paulo teve um crescimento desordenado e não foi planejada para atender pessoas com necessidades especiais. E esse, na minha opinião, é o principal problema quando falamos de pisos sem manutenção, porque com buracos e desníveis as pessoas ficam sujeitas a acidentes.

Placa cimenticia aplicada no centro de São Paulo.
Placas Cimenticias aplicadas no centro da cidade (Pedra portuguesa: um símbolo em risco no centro de São Paulo)

O jovem Ricardo Almeida, assistente de T.I, usa cadeira de rodas e enfrenta barreiras diárias. “Não vejo dificuldades em andar sobre o piso português. Isso só se torna um problema quando elas estão desniveladas e com buracos”, opina. Com a manutenção adequada, o material pode manter um piso tátil para deficientes visuais.

Há mais de 40 anos o piso do centro foi instalado. Pela atual situação provavelmente não recebeu a preservação que devia. Imagine como a placa cimentícia, que é um material poroso, vão ficar se instaladas por mais de quatro décadas sem o cuidado adequado?

O problema não é o material instalado e sim a falta de manutenção e desleixo que as autoridades têm com a cidade mais rica e populosa do Brasil.

Todo município tem elementos que constroem sua identidade. E quando falamos no mosaico português, falamos de um simbólico da nossa herança portuguesa, da nossa cultura e da nossa história. Porque valorizamos tanto a arquitetura e símbolos culturais de outras cidades e países e esquecemos do nosso?

Termino com uma frase do engenheiro Marco Antonio Ramos de Almeida, que integra o livro “O Calçadão em Questão”, de Mônica Bueno Leme: “Recuperar esses espaços deve ser uma prioridade de qualquer administração que se pretenda competente e sensível às questões maiores de São Paulo.”

Lilian Revestindo a Casa
Calendario 07 julho 2019 Lilian Revestindo a Casa

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Lilian Santos

Lilian Santos

CEO do Revestindo a Casa

Sou formada em Design de Interiores e Marketing, e especialista em revestimentos. Durante muitos anos, trabalhei em empresas especializadas do segmento e compartilho todos os segredos deste universo por aqui. Ainda ministro cursos, palestras e consultorias sobre o assunto, além de integrar o time de colunistas da Casa Vogue.

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