Muito utilizados nas décadas de 40 e 50, os caquinhos fazem parte do imaginário de muita gente, principalmente, na região sudeste do Brasil. O revestimento ainda resiste em algumas casas antigas e voltou a aparecer recentemente, com uma paginação mais divertida e colorida, em estabelecimentos comerciais, como lojas, bares e cafés.
Mas você conhece a história por trás desta paginação? Por incrível que pareça, os caquinhos se transformaram em um verdadeiro caso de marketing, esmiuçado pelo engenheiro civil Manoel Henrique Campos Botelho no artigo O mistério do marketing das lajotas quebradas, publicado há mais de oito anos na revista do Instituto de Engenharia.
Hoje, quero dividir esta história com vocês. Naquele tempo, a cidade de São Paulo era abastecida apenas por duas indústrias de cerâmica, sendo uma delas a Cerâmica São Caetano. Um dos produtos mais comuns era a lajota de cerâmica quadrada, com dimensões de 20 x 20 cm, nas cores vermelha, amarela e preta.
Sem uma grande preocupação com o controle de qualidade, no processo de produção, muitas peças se quebravam e eram descartadas e enterradas em terrenos abandonados. Não é de se estranhar que, quando um funcionário pediu parte dos “cacos” para revestir o quintal de sua casa, a fábrica tenha lhe dado de bom grado.
Para se ter uma ideia, naquela época, os lotes operários tinham cerca de 300 m². Espaço de sobra para um quintal com jardim. Porém, os funcionários não tinham dinheiro para comprar as lajotas cerâmicas que produziam e a área externa costumava ser cimentada. Bem sem graça, né? Então, quando um dos funcionários surgiu com um quintal diferente – e mais barato! – a notícia logo se espalhou.
Assim, a classe média passou a adotar a solução do caquinho cerâmico vermelho. Com o aumento da procura, descobriu-se ali uma fonte de renda e as fábricas passaram a vender suas sobras. Até aí, tudo normal: o preço do metro quadrado do caquinho correspondia a 30% do valor da lajota.
Mas ninguém contou aos paulistanos a lei da oferta e procura, e logo começou a faltar o caquinho cerâmico e ele passou a ser tão valioso quanto uma peça inteira. Na falta de cacos, as cerâmicas passaram a quebrar os revestimentos e o preço disparou, superando o valor da lajota. A desculpa era que o custo de quebrar a peça precisava ser embutido no produto.
Assim, os caquinhos espalharam-se por toda a São Paulo, chegando até o Rio de Janeiro, onde aparece com menos frequência, mas ainda assim, marca presença. A tendência só começou a diminuir na década de 60, quando houve a classe média começou a migrar para os prédios recém-construídos e a classe mais simples passou a ocupar lotes menores ou periféricos.
Caquinhos pelo mundo
Mas é claro que utilizar caquinhos não foi uma ideia exclusiva do paulistano. Ao redor do mundo, vemos várias referências similares, com matéria-prima até mais nobre, como azulejos e mármores. Inclusive, a técnica ganhou status de arte no modernismo catalão, muito antes de ser tendência na cidade de São Paulo.
Uma das maiores referências é o espanhol Antoni Gaudí, que teve uma história bem similar aos operários paulistanos. Reza a lenda que ele pedia aos operários que trabalhavam na obra do Parque Güell, que recolhessem pelo caminho os cacos de cerâmica e lhe entregassem. Assim, surgiu a técnica trencadís, que marcou o modernismo catalão (1880-1930).
A volta dos caquinhos
Com o retorno do granilite, começamos a ver também alguns projetos resgatando os caquinhos. Além de despertar a memória afetiva, a técnica pode ser uma solução sustentável quando reaproveita pisos antigos que seriam descartados.
Foi o caso do café Hey Daisy, localizado no Baixo Pinheiros, em São Paulo. Na reforma comandada pelo arquiteto Herbert Holdefer, o azulejo já existente na casa foi reaproveitado para criar os caquinhos na área externa, que reforçam a ideia de aconchego.
A nova loja conceito da Dengo, marca de chocolates premium, que traz a sustentabilidade como prioridade, também adotou os caquinhos como piso. O tom escolhido ainda remete ao piso vermelho das fazendas de cacau na Bahia.